Flor de Lótus


 Existe um pequeno vilarejo em New York, reduto de muitos orientais, onde a comunidade japonesa e chinesa fizeram daquele pedaço de terra sua terra natal - Chinatown, situada na Lower East Side de Manhattan, é a maior comunidade de asiáticos fora de seu país. Primeiro, eram só dá China, mas nas décadas de 70 e 80 vieram de Tokyo muitos imigrantes japoneses. Dentre esses imigrantes estava o senhor Ioshihiro Matsumoto, um mestre na arte de Bonsai que fez fortuna nos EUA cultivando e vendendo as miniaturas de árvores milenares.
Matsumoto San era o pai de Masao, um belo jovem que saira do Japão muito novo acompanhando os pais na imigração para os EUA. Logo cedo se apaixonou pela arte milenar do pai além de ser um exímio atleta de esgrima, no caso um florete. Masao dizia que eram as duas melhores forma de manter viva a tradição japonesa: Nas lutas de espadas dos Samurais; e no cultivo dos Bonsai's.

Decidido a se tornar um mestre, seguindo os passos de seu pai, Masao parte para sua terra natal para buscar ainda mais conhecimento com o mesmo mestre de seu pai - Mestre Naka. Um dos mais importantes e renomados bonsaístas do mundo. Estava ansioso por voltar ao Japão, em 35 anos só o vira por fotos. Não estava preocupado com o idioma porque os pais cultivavam toda a cultura em casa, Masao só falava inglês fora de Chinatown, no bairro e ainda mais dentro de casa a língua oficial era o japonês.
Era o mês de setembro quando ele desembarcou no grande aeroporto de Tokyo. Estava quente, 25° temperatura não muito comum na cidade de New York. Masao anda pelo aeroporto sem muita pressa, queria aproveitar cada minuto daquele lugar. Estava em sua cidade natal, imerso na sua cultura de berço. Olhava para todos os lados...era exposição de Origamis de um lado, de bonecas de porcelana do outro. Estava feliz e sentindo uma sensação muito diferente: de volta pra casa! Deixou o aeroporto num táxi que o levou direto para o hotel que ficava bem próximo ao lugar onde o Mestre Naka morava, onde cultivava seus Bonsai's e onde dava seus cursos. Tentou, de forma inútil, descansar e dormir mas a expectativa de começar não deixava. Queria estar logo lá para começar.

No dia seguinte bem cedo foi tomar seu café e logo se dirigiu para o centro do senhor Naka. Chegando lá foi recebido por um rapaz pequeno com cabelos parecidos com o personagem do desenho DragonBall Z que ele via quando criança. A ordem era apresentar todo o lugar a Masao antes de conhecer o mestre.
O lugar era lindo. Havia Bonsai's de todas as espécies e formas. Bonsai's trabalhados com todos os tipos de técnicas. Caminhos de pedrinhas como trilhas percorriam toda a propriedade. Chegaram a um lago cuja beleza era incomparável, a superfície da água estava coberta por flores de lótus - uma flor linda, típica do oriente e que na cultura japonesa representa pureza espiritual. É uma flor que irrompe a água lodosa desabrocha acima dela. É como se disse que ela consegue viver entre os problemas da vida mas que os supera desabrochando acima deles. A flor de lótus representa um mistério para a ciência, que não consegue explicar a característica própria que possui de repelir microorganismos e partículas de pó. É uma flor muito escolhida para tatuagens e na literatura clássica de muitas culturas asiáticas, a flor de lótus simboliza elegância, beleza, perfeição, pureza e graça, sendo frequentemente associada aos atributos femininos ideais. Em volta do lago haviam algumas pequenas esculturas, miniaturas de pagodes (prédios típicos japoneses), alguns com pequenas cascatas que terminavam no lago. Era uma imagem simplesmente bárbara, inundava o coração de quem olhava de uma paz e tranquilidade nunca sentida por Masao até aquele dia.

Enquanto seus olhos fazem uma panorâmica pelo lugar uma imagem muito lhe chama atenção. Ele olhava para uma flor de lótus completamente branca quando percebeu ao fundo quase uma réplica da flor em forma de uma mulher. Mudou o foco então para longe para ver aquela imagem então percebeu que do outro lado do lago uma mulher estava sentada, notadamente praticando yoga. Sua posição era como a flor, estava de olhos fechados em completa meditação. As pernas cruzadas uma em cima da outra, o tronco ereto, as mãos juntas de palmas viradas uma para a outra e acima da cabeça. Era uma morena clara, cabelos longos ligeiramente ondulados, bracos longos, mesmo sentada percebia-se que devia ter entre 1,70 à 1,74 de altura. Uma mulher alta para a realidade japonesa.

O rapaz que o acompanhava percebeu que estava como que magnetizado pela moça, imóvel, não conseguia desviar o olhar dela, estava hipnotizado. Então ele levantou a ponta dos pés e sussurrou ao seu ouvido: É a filha do mestre Naka! Ouviu sua voz ao longe mas foi o suficiente para lhe tirar do transe. Quase o puxando pelo braço o rapaz trouxe Masao à sua realidade.

O encontro com o mestre foi tipicamente japonês, sem aperto de mão, mas curvando-de para frente em sinal de reverência. Masao esperava encontrar uma grande número de pessoas ali para estudar, mas para sua surpresa o mestre trabalhava apenas com uma pessoa de cada vez, e aquele seria o seu momento. Aquele homem pequenino sempre com um sorriso no rosto começou a conversar e falar da vida, parecia ter tanta sabedoria, parecia ter mais de cem anos de idade. Pra cada árvore ele tinha uma história e a mais nova tinha cinquenta anos de idade. Tinha árvores lá com mais de mil anos, acreditem....mais de mil anos! Masao estava estupefato...nunca tinha visto na natureza árvores tão "velhas" muito menos imaginava que podia existir dentro de bandejas.

A manhã estava caminhando e Masao atento a cada ensinamento que o mestre trazia. Cada detalhe era ensinado e acompanhado pelos olhos atentos do aprendiz. Cada curva a ser construída, cada arame em cada galho, como debastar de forma correta os galhos, e etc. Os olhos fitos em cada exemplo se perderam no momento que aquela mulher apareceu. Ela veio caminhando por traz dos arbustos lentamente como um predador espreita a presa. Ela ia de um lugar para o outro passando pelos corredores de plantas cada vez mais perto da presa. Esta, por sua vez, não conseguia tirar os olhos dela. Parecia que a qualquer momento ela daria o bote. Claro que isso tudo era apenas uma fantasia na cabeça de Masao que se encantou pela jovem. Não sem razão, agora ele podia vê-la melhor, e ainda era mais bela do que imagina. Tinha uma exuberância implacável, era esguia, andava de forma muito elegante e para "piorar" vira o sorriso dela. Dentes brancos bem desenhados, olhos cheios de vitalidade. As ondas do cabelo caía pelos lados do rosto, mesmo a maior parte estando presa atrás. Aproximou do pai e disse num japonês coloquial fácil de se entender:
- Aluno novo Pai?
Sua voz era terna, num sotaque diferente, misturava certo sorriso dentre as palavras, parecia soletrar.
- Sim filha. Ele veio de Nova Iorque passar um tempo conosco. Virando para o rapaz, ele continua: - Minha filha é designer em madeira, eu preservo as árvores e ela as corta. (Num tom um tanto brincalhão). Minha filha tem o dom de fazer as árvores cantar. Ela escolhe as madeiras que serão usadas para fabricar instrumentos musicais. Os violinistas mais famosos do mundo a contrata para fazer o design do seu instrumento.
- Nem tanto né Papai
- Mas agora cismou de construir móveis e eu não estou nada feliz com isso. (O tom brincalhão sumiu)
O rosto moreno claro da jovem enrubou e ela soltou uma resposta num tom capitalista. - Alguém precisa ganhar dinheiro aqui Papai.
Mas o tom de voz dela foi doce e acompanhado de um beijo no rosto do pequeno velhinho.
Aquele monumento vira para o aprendiz e diz: Bem vindo, espero que aprecie a estadia.
Masao fica sem palavra, queria responder mas a voz gaguejou e antes que ele respondesse ela virou e saiu.
O dia passou rapidamente e no fim da tarde Masao caminhava para sair do paraíso do senhor Naka em direção ao lugar onde poderia pegar um táxi. O caminho era curto mas ele fazia questão de ir bem devagar porque era tudo lindo. Quando ele está no meio do caminho um Jeep Wrangler verde musgo pára ao seu lado. Praticamente não tinha vidros nem porta, parecia que o design do carro era para aventureiros que faziam questão de pular pra entrar no carro. Do lado de dentro aquela linda mulher de cabelos esvoaçantes com grandes óculos escuros num tom marrom, vira pra ele e pergunta:
- Quer carona forasteiro?
- Olá. Sabe pra onde vou? (Que pergunta era aquela? Ele mesmo pensou...)
- Entra aí, você me diz no caminho.
O rapaz colocou sua bolsa de couro invertida no ombro, segurou as barras de santo Antônio do carro e num salto já estava sentado ao lado da moça.
- Gostando da estadia? Perguntou ela com um sorriso estonteante.
- Sim, muito. Há muitos anos planejo essa viagem. Meu pai sempre falou dos ensinos de seu pai. Então era um sonho vir. E estou realizando!
- Que legal. Tem tempo pra um passeio?
- Sim, claro. Mas nem fomos apresentados direito. Sou Masao.
Ela estendeu a mão, tirando do volante...
- Muito prazer. Sou Andy.
- Nome americano?
- Sim, coisas do meu pai. Vou te levar numa cidade próxima, reduto de pássaros fantásticos e exóticos.

A viagem era curta mas ele queria aproveitar cada minuto com a moça, mesmo ela não percebendo a atração que ele sentira por ela. A conversa fluiu bem, alegre, divertida e interessante.
Ao chegar no tal reduto ela estacionou o carro virado para a uma mata, ficou meio de lado no banco do motorista olhando pra ele e disse. Daqui a pouco eles enchem esses galhos e você vai ver um desfile de cores e cantos. Masao percebeu que ela olhava para seus lábios e para seu braço. Ele usava uma camisa jeans de botões, com mangas compridas mas dobradas até acima dos cotovelos. Masao realmente tinha braços bem torneados, fortes, resultado de um preparo físico cuidadoso como atleta de esgrima. Os lábios carnudos dele entreabertos pareciam conversar com os olhos da moça. Tudo parecia acontecer em câmera lenta. Ela então, com voz quase rouca, exclama:
- Você tem braços fortes! O que faz?
- Sou espadachim, esgrimista na verdade.
- Humm. Uma pequena mordiscada nos lábios deu ao rapaz sinal verde. Ele investiu pra cima dela, segurou seu pescoço por baixo dos longos cabelos e quase encostou seus lábios nos dela. Sentia a respiração dela e ela a dele. Ela, com mãos longas, braços esguios, dedos que pareciam de pianista, segurou seu braço forte e apertou. Então seus lábios se tocaram, numa mistura de doçura e brasas vivas acesas pelos ventos do desejo.
Ficaram por ali até os pássaros começarem a chegar e tomar a atenção deles. O véu da noite caiu rapidinho e logo ela ligou o carro com um sorriso no rosto e se dirigiu meio calada ao hotel de Masao.

No dia seguinte ele demorou a levantar até porque não conseguira dormir direito. Cada cena não saía da sua memória e mais que isso...elas se repetiam diversas vezes, como um álbum de fotografias que se pode ir e voltar numa foto, sua mente ia e voltava nas imagens, sons, cheiros e sensações que vivera naquele dia. Não sabia o que pensar nem o que esperar do dia seguinte. Não sabia como iria olhar a moça o como iria ser olhado por ela. Em algum momento chegou apensar que tudo fora apenas uma imaginação, uma fantasia de sua cabeça. Queria levantar e correr para aquele lugar onde provavelmente ela estaria, mas ao mesmo não queria queria levantar, a dúvida se ela continuaria ou esqueceria o acontecido consumia o rapaz. A ousadia dela o encantara, a forma como ela tomou à frente, a dianteira, como se soubesse que ele também queria, sem se preocupar com um "não" (Muitos pensam que homens não dizem "Não". Isso é um equivoco).
Não adiantava ficar ali na cama sem saber o que seria do seu dia. Num súbito salto ele sai da cama em direção ao chuveiro.

Chegando no local do curso, Masao não sabia se olhava para seu mestre ou se procurava o moça, a verdade é que seus olhos o fazia. De um lado para o outro percorriam toda a propriedade até onde alcançavam para se certificar de onde ela estava, ou se ela estava. Sua concentração estava totalmente comprometida, não ouvia mais nenhuma palavra do seu mestre, não sabia bem de que assunto estavam falando naquele dia. O mestre, com as mãos dentro das mangas da blusa andava lentamente esperado que seu "gafanhoto" o seguisse ouvindo suas instruções, apesar dele estar atrás do mestre em corpo, sua mente estava longe.


A manhã passou e nada da donzela aparecer. Na hora do almoço ele resolveu passear em volta do lago de Flores de Lotus. Ao chegar lá uma senhora japonesa, vestida com traje típico japonês, aquele kimôno com um grande laço atrás, estava sentada em posição de artes marciais, em cima das pernas, segurava uma toalha branca muito felpuda. Ele ficou se indagando o motivo da toalha nas mãos. Mas não demorou muito até que emergisse aquela mulher linda do fundo do lago. Foi em direção à senhora que se levantou e a abraçou com a toalha. Ela olhou discretamente para Masao, que estava atônito. Calçou as sandálias e foi em direção à Masao.
- Com fome?
- Não tanto, tomei um bom café da manhã.
- Hum, pensei em te convidar pra ir à uma churrascaria...
- Ótimo, o que estamos esperando? Nem sabia que tinha churrascaria nesse país, achei que fosse só insetos em palitos em todo lugar.
- Me dê alguns minutos enquanto me arrumo.
Apesar de muito elegante ela não era do tipo que passava horas se arrumando. Quando queria jogava uma roupa confortável e partia pra dança.
Chegaram ao restaurante, lugar bonito, de bom gosto, foram bem servidos. As trocas de olhares diziam que queriam mais que se alimentar ali. Ela parecia ligeiramente incomodada com o olhar dele, estava claro que ele queria sair dali e tê-la novamente e ele sabia que ela também queria. Mas a pergunta era: Eles podiam?? Terminaram o almoço, foram para o estacionamento e se despediram após um longo abraço. Ambos queriam mais, mas o medo de as coisas se aprofundarem muito começava a incomodá-los. Ambos pensavam em suas vidas, ambos estavam em cidades diferentes, em vidas diferentes e apesar de um querer muito o outro, parecia que havia um preço alto a pagar, principalmente ela, que vivia com o pai, que, de certa forma, inspirava cuidados dela por causa da idade.
...

Masao, sentado na poltrona do avião, não conseguia parar de pensar em quantas experiências tinha vivido naquele lugar. O curso, maravilhoso, voltava cheio de idéias... Mas a mulher que conhecera fazia com que ele pensasse que nunca mais sua vida seria a mesma. Aquele olhar, aquele sorriso (muito parecido com o do Pateta, da Walt Disney) que ao mesmo tempo era engraçado, dava um certo ar de menina àquela exuberante mulher. Aquela que emerge em meio às águas, em meio à vegetação, para mostrar ao mundo sua beleza e inundar o ar com seu perfume, como uma Flor de Lotus.

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