Light Bridge



CAPÍTULO 1

Era final do ano de 2019, o mundo tinha mudado e virado de ponta cabeça, muitas coisas estavam acontecendo que nunca havia-se pensado que sairia das telas do cinema. Passou-se a usar máscaras, como era visto em reportagens de países onde a poluição é muito grande, onde há gigantescas queimadas e até pequenos surtos de vírus. Nunca passaria pela cabeça que aquela realidade seria incorporada ao cotidiano.

Dezembro chegou e com ele muitas chuvas e algumas carregadas de eletricidade. Cindy havia esquecido no escritório um documento que precisava muito, e mesmo com medo daquela tarde cheia de relâmpagos resolveu pegar o carro e dirigir até lá. Ela gostava de chuva, apesar de sua preferência ser os dias claros e ensolarados (alguém havia dito a ela que a felicidade morava ao lado do mar e adorava sol, e ela assimilou isso com muita alegria). 


O vento soprava tão forte que Cindy teve dificuldade para abrir a porta do carro. Não sabia se tirava o cabelo agarrado nos óculos ou se puxava a porta para fechar. Finalmente depois de muita força conseguiu fechar a porta. Parecia outro mundo dentro do carro, o silêncio e a paz ali dentro contrastava com o "mundo acabando" do lado de fora, que mais lembrava um furacão. Cindy recostou no banco confortável de seu LandRover, percebeu um de seus botões da blusa aberto pela fúria do vento e a blusa começando a molhar pelo inicio da chuva. Respirou fundo e ligou seu carro que prontamente atendeu. Pisou fundo e saiu deslizando a roda. Estava com pressa pra voltar antes que a tempestade piorasse. 


Um pouco aflita, nervosa, porque então se deu conta que tinha se metido numa enrascada, uma aventura que se tivesse de escolher preferia a segurança de sua casa. Havia folhas voando para todos os lados, pedaços de galhos de árvores cruzavam a frente do seu parabrisa, ela lembrava dos filmes de tornado dos Estados Unidos e isso a amedrontou ainda mais. De longe avistou a ponte, que por tantas vezes passou, filmou, era um dos orgulhos que ela tinha de morar numa cidade tão linda. Mas naquele dia a ponte estava encoberta por neblina e rugia lutando contra o vento, o som dava pra ouvir mesmo dentro do carro. Ela diminuiu a velocidade e teve dúvidas se ia ou não tentar atravessar. Aventureira, independente e forte como era, apertou o pedal direito e seguiu em frente em velocidade lenta. A água da chuva misturada com a do mar golpeavam os vidros das janelas do seu carro e sem que ela esperasse um raio atingiu a ponte e a descarga elétrica pegou em cheio seu carro.


Tudo se escureceu, não havia mais barulhos, chuvas, relâmpagos, apenas o tilintar de um pequeno sino e sons como de patas de cavalos e um pequeno balanço como se estivesse num barco. Cindy abriu os olhos e estava num minúsculo cômodo coberto de vermelho e com pequenas janelas, apertou os olhos e aprumou o corpo e então percebeu com mais clareza que estava numa carruagem, daquelas antigas que havia visto numa séries da Netflix que se passava nos anos de 1800 nos arredores de Londres. Ela pôs a mão na blusa, com medo do botão ter aberto novamente e tomou um grande susto ao ver que estava com um lindo vestido cheio de botões, bordados. Percebeu que era um daqueles vestidos usados pelas mulheres nobres do século XIX, na era vitoriana. Ao mesmo tempo que estava surpresa não conseguia tirar os olhos daquele vestido amarelo com babados, com um tecido fino de lese bordada com flores que desciam até a barra. 


Não demorou nem 5 minutos para que a carruagem parasse e com ela o fim do som dos cascos dos cavalos. Um homem de uniforme abriu a porta da carruagem e num tom submisso e calmo disse: 

- Chegamos senhora! Ela não tinha a menor idéia de onde estava, o que estava fazendo naquele lugar. Chegamos?? Mas onde? Pensava ela naquele instante. Aceitou a ajuda daquele que entendeu ser o cocheiro da carruagem e desceu aqueles dois degraus. Seus olhos se maravilharam com tanta beleza, chegou a passar por sua cabeça que havia morrido naquele acidente, mas nunca tinha ouvido falar que o céu seria daquele jeito, então se aquietou para tentar entender o que estava acontecendo. Estava de frente a uma escadaria e uma dama de companhia a esperava. - Por aqui senhora. Disse a acompanhante apontando com uma das mãos para a escada enquanto a outra segurava o vestido. Cindy começou a subir quando ouviu o som da carruagem deixando o lugar, se virou para olhar e com a saída da carruagem percebeu o jardim deslumbrante da frente daquela casa que lembrava a Kenwood House, que fica dentro dos dezesseis hectares do parque Hampstead Heath em Londres. E mais uma vez lhe vem à mente as perguntas: Meu Deus, onde estou? O que estou fazendo aqui? Que lugar é este?


Ao chegar ao topo da escada, Cindy se deparou com um piso quadriculado de preto e branco, era uma varanda toda rodeada de colunas de mármore e havia duas pequenas mesas de madeira, uma de cada lado. Provavelmente para sentar e contemplar a beleza do lugar, tomando um delicioso chá de hibisco. A porta principal era de madeira vazada com vidros quadrados, que de fora dava pra ver o interior da casa, passando pela porta se deparava com uma enorme escadaria em curva que no alto se abria para a esquerda e para a direita. A sala era ampla, com um lindo tapete persa que era margeada pelos sofás, ao lado uma enorme lareira, bem no estilo vitoriano. Um mordomo uniformizado e com luvas muito brancas se aproximou dela e perguntou:

 - Como foi o passeio, senhora? Aproveitou bastante? Seu café com bolo de maçã, banana e aveia já está servido do jeito que a senhora gosta, hoje também preparamos Tartine italiana como a senhora pediu. Cindy estava completamente admirada, surpresa, ao mesmo tempo espantada porque até o café da manhã era com coisas que ela realmente gostava.


Ainda sem dizer uma só palavra, ela seguia os criados porque, de verdade, não sabia que lugar era aquele e já começava a duvidar de quem era. Chegaram a uma varanda de chá, uma bela mesa a aguardava. Uma conjunto lindo de xícaras de porcelana estava posta na mesa assim como deliciosas comidas preparadas com tamanho cuidado que se não fosse a época ela juraria que fora preparado por uma competente nutricionista, feliz com a profissão, com seu sucesso, família e neto (sim, porque para preparar algo com tanto cuidado e amor, apenas alguém que foi forjado pelas lutas da vida e saiu vencedor). Cindy sentou-se à mesa e logo um serviçal da casa, sem que ela esperasse, a serviu de um chá. Era um de seus preferidos, laranja com mel e gengibre. A mesa estava repleta de coisas que ela amava, pão low carb, o cafezinho preto que nunca dispensava, suco verde e algumas frutas como abacaxi doce, pitaya e uvas, todas pareciam terem sido colhidas na hora. Um potinho de castanhas chamou atenção dos olhos cor de mel da loira e um tímido sorriso esticou um dos lados da boca, de alguma forma ela se sentia em casa.


Ainda estava saboreando seu último gole de café segurando o píres com um das mãos enquanto a outra levava a xícara à boca, quando ouviu passos vindo em direção a varanda onde ela estava, mas fez questão de não se virar nem buscar de onde vinha o som. De repente ela sentiu uma barba encostar na sua nuca seguido de um beijo lento, longo e quente. 

- Bom dia querida, como foi o passeio pela marina? Eu mesmo queria ter podido passear naquele barco à remo com você, mas tive pacientes logo cedo, pessoas que vieram de outras cidades e estavam hospedadas no hotel apenas esperando a consulta bem cedo pra dar tempo voltarem pra suas cidades

O homem desconhecido falava enquanto rodeava a mesa, buscando um lugar para se sentar. Enquanto ele falava ela o olhava atentamente buscando por algo conhecido. Ela admirou suas roupas de veludo muito bem tratadas, percebeu uma pequena calvície quando ele tirou o chapéu e pôs na mesa. A barba curta e branca lhe trazia um ar de maturidade, olhos pequenos que a encheram de curiosidade, e o tom de voz… ah o tom de voz… este a acalmou, era uma voz grave mas aveludada, ela sentiu os pêlos da nuca se arrepiarem ao som da voz dele, mais do que quando ele a beijou. 

Continuou ele: - Nosso empregado, senhor Laurentino, disse que você não estava se sentindo bem e quis voltar pra casa. O que houve? Ela então encheu o peito de ar, se vestiu de coragem para, pela primeira vez, enfrentar aquela desesperadora situação. 

- Bom dia, não sei nem por onde começar. Não sei o que estou fazendo aqui, não sei quem é o senhor e nem que casa é esta. Eu estava dirigindo meu carro quando fui atingida por uma corrente elétrica e quando acordei estava dentro da carruagem. Não reconheço essas roupas, essas pessoas, nem mesmo esse penteado que estou usando, nem sequer sei de onde veio este lindo vestido.

O homem atônito, mas com certo ar de domínio de tudo ouvia atentamente o que ela dizia. Talvez por seu campo de atuação na medicina ser a psiquiatria, ele provavelmente estava analisando a fala dela com ouvidos de um psicoterapeuta. 

Depois de alguns segundos, o médico esposo disse:

 - Meu amor, você sofreu uma queda brusca do seu cavalo a dois dias, e bateu muito forte com a cabeça, há dias que você está sob observação minha e de todos os empregados da casa, que deixei orientações muito rígidas sobre o cuidado com você. Você não se lembra do que aconteceu: Você estava indo visitar nosso filho, a esposa dele acabou de dar a luz a um lindo menino. 

Cindy não sabia mais o que pensar, começou até mesmo a duvidar se realmente aquela não seria sua vida real. Mas balançou a cabeça… não, não pode ser, se lembrava de toda sua vida, seus passeios, seu novo empreendimento, sua nova formação, as vitórias que havia conquistado, a volta por cima de tantas lutas e decepções. Depois de anos de auto estima destruída, ela estava no seu melhor momento, sabia que desfrutava de grandes vitórias e que havia criado uma nova mulher e tinha orgulho dela. - Preciso descansar! Disse ela abaixando a cabeça e a apoiando nas mãos. Mais que depressa o homem se levantou e fez um sinal para um dos criados. - Ajude a senhora a chegar a seu quarto e prepare um chá de erva cidreira para ela.


Cindy despertou horas mais tarde com o barulho de um galho batendo no vidro da janela, olhou com cuidado o quarto elegante e decorado com muito bom gosto. Olhou uma penteadeira próxima à janela com muitos objetos femininos em cima, como um escova de cabelo e um lindo vidro de perfume com uma pequena borracha como se fosse uma cauda e uma bola na ponta, ela se lembrou de borrifadores de ar e logo deduziu que aquele era um daqueles perfumes que via em filmes antigos de se borrifar atrás das orelhas. Viu também uma linda poltrona ao lado de uma pequena mesa com um abajur e um livro em cima da mesa e óculos de leitura em cima do livro, presumiu que seria do “esposo”. Olhou para o alto e percebeu as colunas da cama onde estava deitada, era enorme com tecidos até o teto, se apoiou nas duas mãos para se aprumar um pouco. Olhou para o lado e ele estava deitado ao lado dela. Na posição que estava deu a entender que ele adormeceu enquanto olhava para ela. Então ela devolveu a gentileza. O olhou com mais cuidado, porque agora não tinha os olhos pretos dele abertos para constrangê-la. Tinha cabelos grisalhos, uma barba curta também grisalha, orelhas pequenas, um semblante não tão tranquilo, como de alguém que dormiu preocupado. Sua respiração era quase que silenciosa, de forma que ela chegou mais perto para ouvi-lo respirar. Ele estava vestido de calças, meias e uma camisa de linho bege ligeiramente aberta. Como estava sem blaser ela percebeu os ombros largos dele e o peito um tanto forte. Por um momento se viu deitada e confortada naquele peito.


O quarto estava levemente iluminado pelos abajures dos criados de forma que ela via tudo que queria. Chegou um pouco mais perto para olhar suas sobrancelhas, de repente ele abriu os olhos de forma muito gentil, pareceu que subitamente aquele corpo tomou uma vida e uma energia que ela pode sentir mesmo sem que ele movesse um só músculo. Inesperadamente, mas de forma delicada, ele pegou um dos braços dela e acariciou até os ombros, ela ficou completamente imóvel, então ele levantou o tronco e se virou pra ela, a pegou com os dois braços, já não tão mais gentil, e virou-a colocando as costas dela na cama. Olhou dentro dos olhos dela, ela não sabia mais o que fazer, se lutava, se cedia, se pensava, se questionava, se impedia a investida dele. Naquele momento de dúvida ela sentiu que queria, e ele percebeu. A beijou profundamente e ela sentiu a maciez dos lábios carnudos dele, se afogou num beijo molhado, ardente e experiente. Então, com um suspiro de alguém que diz: desisto! soltou se de forma completa. Mark começou a beijá-la por todo o corpo, despindo-a. Foi uma noite longa de um amor que há muito tempo ela não tinha. 


Na manhã seguinte ela acordou, com o sol já alto, já eram mais de dez horas da manhã, a luz clara do dia entrava por uma fresta da cortina anunciando um dia brilhante. Em outra ocasião, uma criada já estaria ali abrindo as cortinas e janelas, deixando a brisa fresca da manhã entrar quarto adentro, mas como ela estava em processo de recuperação, a ordem do senhor era deixá-la dormir o quanto quisesse. Ao levantar o tronco e se ajeitar com as costas na cama viu que estava sozinha, o amante da noite anterior já havia deixado o lugar, provavelmente para atender seus pacientes. Ela pôs as mãos sobre o ventre e suspirou profundamente ainda sentindo a força do prazer da noite anterior, mas seus pensamentos voavam para uma terra distante que ela já não sabia mais se veria de novo. Seu pensamento estava em completo conflito. Meu Deus, o que estou fazendo aqui? Quem sãos essas pessoas? Como fui me envolver fisicamente com um homem que nem conheço direito? Levantou-se, viu que ainda estava nua mas numa poltrona logo ao lado da cama estava uma linda camisola branca de cetim e um robe da mesma cor mas com um tecido menos leve. Dirigiu-se até sua mesa de cabeceira  e encheu um copo de água de uma jarra de cristal repleta de água fresca. Como havia feito algum barulho, uma serva entrou e disse: 

- Bom dia, senhora. Como quer seu café da manhã? Ao mesmo tempo que abria as cortinas do quarto, a falante serva andava de um lado para o outro pegando peças de roupa que estavam fora do lugar.

A jovem abriu a porta e apontou o caminho para a senhora. De volta à varanda, as mesas com outras toalhas com decoração em verde. Um belo prato com frutas picadas e morangos no meio cobertos de chantilly convidavam a mulher para um desjejum muito rico. Um suco detox, verde como as toalhas, chamou a atenção dela, estava acostumada a esse suco. Biscoitos de nata e casadinhos também sequestram seu olhar assim que sentou-se à mesa. Um chá preto, cuja fumaça exalava um delicioso perfume de limão, servido numa xícara de porcelana foi o preferido para levar à boca. Enquanto ela o saboreava, fechou os olhos e se lembrou de sua praia, das suas raquetes de beach tennis e mais uma vez seu coração se encheu se uma avassaladora saudade. Decidiu num salto, pegar a charrete e ir até o lugar onde ela tinha acordado dias atrás. Quem sabe eu encontro o caminho de casa! Pensou ela. Virou-se para um dos empregados que estava em pé próximo à coluna da porta da varanda, e disse: - Prepare minha charrete, vou sair imediatamente.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

DIGA NAO ÀS DROGAS E SIM A UM CHEIRO NO CANGOTE

Uma reflexão no Dia de Finados

O Pássaro Colorido