Familia, um Lugar de Segurança. Será? - Uma história de Resiliência

Em 1987, um jovem sai de seu estado natal em direção à terra das oportunidades do Brasil. Naquela época, São Paulo recebia imigrantes de todos os estados do país. Mal sabia ele que passaria por uma das experiências mais duras de sua vida. Ao me contar a história, seu coração não carregava mágoa, dizia que todos que conheceu lá foram agentes de desenvolvimento e crescimento pessoal. Essa história começa assim:

Depois de mais de 40 anos sem dar sinal de vida, um tio reaparece na família. Ele havia ido para São Paulo para “tentar" a vida e fugir da fome e dificuldades que sua família vivia, filho de uma nordestina, com mais oito irmãos menores, venceu na vida em São Paulo, se tornou um empresário no ramo têxtil e depois desses longos anos decidiu procurar a mãe e ajudar no que fosse possível. O sobrinho estava estudando informática, que na época estava no seu auge de lançamento, todos diziam que ela iria dominar o mundo e que quem não soubesse informática teria de mudar de planeta. Depois de um tempo estudando, chegara a monitor do curso programação e sonhava entrar para uma grande empresa do ramo.

A chegada do tio parecia ser a resposta dos céus. Dizia que morava muito perto da sede da IBM e que conhecia muitos diretores e que com facilidade conseguiria uma vaga para o sobrinho. Os olhos do meninos, com 17 anos, se encheram de sonhos, esperança e motivação. Teria de deixar a família, ir morar com o tio, que dizia ter uma confortável residência e que poderia dividir os aposentos com os primos. Então, com lágrimas nos olhos, o rapaz deixa sua mãe e seus outros três irmãos menores e vai em direção à uma terra desconhecida.

Lá chegando, viu que seu tio morava numa cidade do interior de São Paulo, sua residência, confortável, atendia bem à pouca (quase nada) exigência que o menino tinha. Só queria saber quando conheceria a gigante da informática.

Os dias foram passando, e seu tio nada de levar na empresa. Todas as manhãs o acordava para viajar com ele para acompanhá-lo nas vendas de tecido por todas as cidades do interior de São Paulo. Vendo que as semanas se passavam, o rapaz pergunta: Tio, quando vamos à IBM? ao que o tio respondeu: Estou conversando com uns amigos e vc vai lá preencher uma ficha e depois vão te chamar para uma entrevista.

As semanas foram passando, e o rapaz fez amizades que o levaram para conhecer a Empresa, a gigante IBM, mas apenas de longe, por fora. Infelizmente nunca passou dos portões. Chegou a ir ao centro de recrutamento e seleção, sem o tio, preencheu a tal ficha, mas nunca recebeu nenhuma ligação.

Os meses foram passando, e ele sentia, pelo olhar de seus anfitriões que começara a se tornar um peso, um estorvo. O inverno chegou, a temperatura caiu. Nunca havia sentido um frio de 2˚(dois graus). Foi nesse tempo que começaram as cobranças. Tinha-se apenas 5 minutos para tomar banho, porque passado isso, o anfitrião sem nenhuma cerimônia, ia ao quadro de energia e desligava o chuveiro, e mesmo naquele terrível frio o restante de sabão tinha que ser tirado na água gelada. O dia amanhecia aos berros..."Levanta seus vagabundos, todo mundo procurar emprego!" No meio do susto não sabia o que pensar, o que dizer nem o que fazer. O rapaz se juntou à outros na colegas mesma situação de desemprego na igreja e juntos resolveram pedir uma Kombi emprestada ao pai de um deles e foram vender panos-de-sacos na rua.

Havia uma fábrica na cidade que vendia esses panos por consignação. Os rapazes pegavam, cada um, 100 sacos e saíam de porta em porta vendendo, torcendo para que no fim do dia a venda desse, pelo menos, para pagar seu almoço e ter ainda algum lucro.
Os dias eram longos, as caminhadas difíceis com aquele peso nas costas, e ele não levava jeito pra vendas. Acabou deixando essa atividade e procurando outra porque também não queria mais ouvir e ver as coisas que estava presenciando dentro de casa. Então, o líder da banda que ele tocava, tinha uma empresa de reformas em casas. Ofereceu a ele uma vaga de servente de pedreiro. O garoto não fugia da raia e aceitou. Não sabia que o trabalho era tão pesado mas mesmo assim saía de casa às 5h da manhã em direção ao centro da cidade. O frio congelava tudo, havia dias que a temperatura em julho batia 0˚(zero grau). Ao chegar no trabalho recolhia jornais para tocar fogo para descongelar o ununiforme de servente que havia ficado no armário de ferro e endurecera com o frio. Vestia aquela roupa ainda gélida e apanhava seus novos instrumentos - Uma marreta e um ponteiro. Seu serviço era quebrar o piso de azulejo de toda a casa porque os proprietários queriam trocar por cerâmica.

As mãos calejadas já não conseguiam empunhar sua guitarra, muitas marretadas acertaram sua mão de músico e a destreza e agilidade foi se perdendo. Principalmente porque adorava maracujá e no fundo da casa havia uma grande mangueira e a parreira de maracujá havia tomado a árvore. Após o almoço ele pegava vários maracujás, cortava-os ao meio e chupava sua polpa. Apesar de deliciosa mostrou-se extremamente danosa às mãos, porque quando o relógio marcava 3h da tarde o sono vinha com força e a marreta não parava.

Decidiu sair da casa do tio, porque a esposa disse que não aguentaria nem uma semana como servente de pedreiro, mas como o menino ja estava trabalhando há um mês, ela decidiu pegar de volta a marmita térmica que havia lhe emprestado. O rapaz percebeu a perseguição e implicância e decidiu então que era melhor ele sair pra não causar dano ainda maior ao seu emocional. Foi acolhido pela família do líder da banda, que tinha vários filhos homens, ali ele foi amado, respeitado e se preparou financeiramente para voltar à sua cidade natal.

Perguntei a ele por que não voltou antes e evitou tamanha humilhação? Ele me respondeu: Voltar também não seria?  Ele, orgulhoso não queria voltar com o sentimento de que fora derrotado e que perdera tempo e ainda nutria a esperança de ser chamado pela empresa que tanto sonhara. Poucos meses depois, já com o dinheiro da passagem, retornou para casa, para recomeçar de onde parou.

Ficaram os ensinamentos de que nem sempre os de casa serão aqueles que lhe darão o melhor;  ensinamentos que não importa o tipo de trabalho que você faça, há sempre honra nele; mesmo numa aparente desolação Deus sempre levanta pessoas para serem suporte; e por último...a história de José no Egito ainda se repete em milhares de lugares.

Hoje o rapaz é um homem feliz, tem sua família e é realizado naquilo que faz. Nunca guardou rancor nem mágoas, apenas seguiu em frente.


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