Flor de Lótus
Matsumoto San era o
pai de Masao, um belo jovem que saira do Japão muito novo acompanhando os pais
na imigração para os EUA. Logo cedo se apaixonou pela arte milenar do pai além
de ser um exímio atleta de esgrima, no caso um florete. Masao dizia que eram as
duas melhores forma de manter viva a tradição japonesa: Nas lutas de espadas
dos Samurais; e no cultivo dos Bonsai's.
Decidido a se tornar
um mestre, seguindo os passos de seu pai, Masao parte para sua terra natal para
buscar ainda mais conhecimento com o mesmo mestre de seu pai - Mestre Naka. Um
dos mais importantes e renomados bonsaístas do mundo. Estava ansioso por voltar
ao Japão, em 35 anos só o vira por fotos. Não estava preocupado com o idioma
porque os pais cultivavam toda a cultura em casa, Masao só falava inglês fora
de Chinatown, no bairro e ainda mais dentro de casa a língua oficial era o
japonês.
Era o mês de setembro
quando ele desembarcou no grande aeroporto de Tokyo. Estava quente, 25°
temperatura não muito comum na cidade de New York. Masao anda pelo aeroporto
sem muita pressa, queria aproveitar cada minuto daquele lugar. Estava em sua
cidade natal, imerso na sua cultura de berço. Olhava para todos os lados...era
exposição de Origamis de um lado, de bonecas de porcelana do outro. Estava
feliz e sentindo uma sensação muito diferente: de volta pra casa! Deixou o
aeroporto num táxi que o levou direto para o hotel que ficava bem próximo ao
lugar onde o Mestre Naka morava, onde cultivava seus Bonsai's e onde dava seus
cursos. Tentou, de forma inútil, descansar e dormir mas a expectativa de
começar não deixava. Queria estar logo lá para começar.
No dia seguinte bem
cedo foi tomar seu café e logo se dirigiu para o centro do senhor Naka.
Chegando lá foi recebido por um rapaz pequeno com cabelos parecidos com o
personagem do desenho DragonBall Z que ele via quando criança. A ordem era
apresentar todo o lugar a Masao antes de conhecer o mestre.
O lugar era lindo.
Havia Bonsai's de todas as espécies e formas. Bonsai's trabalhados com todos os
tipos de técnicas. Caminhos de pedrinhas como trilhas percorriam toda a
propriedade. Chegaram a um lago cuja beleza era incomparável, a superfície da
água estava coberta por flores de lótus - uma flor linda, típica do oriente e
que na cultura japonesa representa pureza espiritual. É uma flor que irrompe a
água lodosa desabrocha acima dela. É como se disse que ela consegue viver entre
os problemas da vida mas que os supera desabrochando acima deles. A flor de
lótus representa um mistério para a ciência, que não consegue explicar a
característica própria que possui de repelir microorganismos e partículas de
pó. É uma flor muito escolhida para tatuagens e na literatura clássica de
muitas culturas asiáticas, a flor de lótus simboliza elegância, beleza,
perfeição, pureza e graça, sendo frequentemente associada aos atributos
femininos ideais. Em volta do lago haviam algumas pequenas esculturas,
miniaturas de pagodes (prédios típicos japoneses), alguns com pequenas cascatas
que terminavam no lago. Era uma imagem simplesmente bárbara, inundava o coração
de quem olhava de uma paz e tranquilidade nunca sentida por Masao até aquele
dia.
Enquanto seus olhos
fazem uma panorâmica pelo lugar uma imagem muito lhe chama atenção. Ele olhava
para uma flor de lótus completamente branca quando percebeu ao fundo quase uma
réplica da flor em forma de uma mulher. Mudou o foco então para longe para ver
aquela imagem então percebeu que do outro lado do lago uma mulher estava sentada,
notadamente praticando yoga. Sua posição era como a flor, estava de olhos
fechados em completa meditação. As pernas cruzadas uma em cima da outra, o
tronco ereto, as mãos juntas de palmas viradas uma para a outra e acima da
cabeça. Era uma morena clara, cabelos longos ligeiramente ondulados, bracos
longos, mesmo sentada percebia-se que devia ter entre 1,70 à 1,74 de altura.
Uma mulher alta para a realidade japonesa.
O rapaz que o
acompanhava percebeu que estava como que magnetizado pela moça, imóvel, não conseguia
desviar o olhar dela, estava hipnotizado. Então ele levantou a ponta dos pés e
sussurrou ao seu ouvido: É a filha do mestre Naka! Ouviu sua voz ao longe mas
foi o suficiente para lhe tirar do transe. Quase o puxando pelo braço o rapaz
trouxe Masao à sua realidade.
O encontro com o
mestre foi tipicamente japonês, sem aperto de mão, mas curvando-de para frente
em sinal de reverência. Masao esperava encontrar uma grande número de pessoas
ali para estudar, mas para sua surpresa o mestre trabalhava apenas com uma
pessoa de cada vez, e aquele seria o seu momento. Aquele homem pequenino sempre
com um sorriso no rosto começou a conversar e falar da vida, parecia ter tanta
sabedoria, parecia ter mais de cem anos de idade. Pra cada árvore ele tinha uma
história e a mais nova tinha cinquenta anos de idade. Tinha árvores lá com mais
de mil anos, acreditem....mais de mil anos! Masao estava estupefato...nunca
tinha visto na natureza árvores tão "velhas" muito menos imaginava
que podia existir dentro de bandejas.
A manhã estava
caminhando e Masao atento a cada ensinamento que o mestre trazia. Cada detalhe
era ensinado e acompanhado pelos olhos atentos do aprendiz. Cada curva a ser
construída, cada arame em cada galho, como debastar de forma correta os galhos,
e etc. Os olhos fitos em cada exemplo se perderam no momento que aquela mulher
apareceu. Ela veio caminhando por traz dos arbustos lentamente como um predador
espreita a presa. Ela ia de um lugar para o outro passando pelos corredores de
plantas cada vez mais perto da presa. Esta, por sua vez, não conseguia tirar os
olhos dela. Parecia que a qualquer momento ela daria o bote. Claro que isso
tudo era apenas uma fantasia na cabeça de Masao que se encantou pela jovem. Não
sem razão, agora ele podia vê-la melhor, e ainda era mais bela do que imagina.
Tinha uma exuberância implacável, era esguia, andava de forma muito elegante e
para "piorar" vira o sorriso dela. Dentes brancos bem desenhados,
olhos cheios de vitalidade. As ondas do cabelo caía pelos lados do rosto, mesmo
a maior parte estando presa atrás. Aproximou do pai e disse num japonês
coloquial fácil de se entender:
- Aluno novo Pai?
Sua voz era terna,
num sotaque diferente, misturava certo sorriso dentre as palavras, parecia
soletrar.
- Sim filha. Ele veio
de Nova Iorque passar um tempo conosco. Virando para o rapaz, ele continua: -
Minha filha é designer em madeira, eu preservo as árvores e ela as corta. (Num
tom um tanto brincalhão). Minha filha tem o dom de fazer as árvores cantar. Ela
escolhe as madeiras que serão usadas para fabricar instrumentos musicais. Os
violinistas mais famosos do mundo a contrata para fazer o design do seu
instrumento.
- Nem tanto né Papai
- Mas agora cismou de
construir móveis e eu não estou nada feliz com isso. (O tom brincalhão sumiu)
O rosto moreno claro
da jovem enrubou e ela soltou uma resposta num tom capitalista. - Alguém
precisa ganhar dinheiro aqui Papai.
Mas o tom de voz dela
foi doce e acompanhado de um beijo no rosto do pequeno velhinho.
Aquele monumento vira
para o aprendiz e diz: Bem vindo, espero que aprecie a estadia.
Masao fica sem
palavra, queria responder mas a voz gaguejou e antes que ele respondesse ela
virou e saiu.
O dia passou
rapidamente e no fim da tarde Masao caminhava para sair do paraíso do senhor
Naka em direção ao lugar onde poderia pegar um táxi. O caminho era curto mas
ele fazia questão de ir bem devagar porque era tudo lindo. Quando ele está no
meio do caminho um Jeep Wrangler verde musgo pára ao seu lado. Praticamente não
tinha vidros nem porta, parecia que o design do carro era para aventureiros que
faziam questão de pular pra entrar no carro. Do lado de dentro aquela linda
mulher de cabelos esvoaçantes com grandes óculos escuros num tom marrom, vira
pra ele e pergunta:
- Quer carona
forasteiro?
- Olá. Sabe pra onde
vou? (Que pergunta era aquela? Ele mesmo pensou...)
- Entra aí, você me
diz no caminho.
O rapaz colocou sua
bolsa de couro invertida no ombro, segurou as barras de santo Antônio do carro
e num salto já estava sentado ao lado da moça.
- Gostando da
estadia? Perguntou ela com um sorriso estonteante.
- Sim, muito. Há
muitos anos planejo essa viagem. Meu pai sempre falou dos ensinos de seu pai.
Então era um sonho vir. E estou realizando!
- Que legal. Tem
tempo pra um passeio?
- Sim, claro. Mas nem
fomos apresentados direito. Sou Masao.
Ela estendeu a mão,
tirando do volante...
- Muito prazer. Sou
Andy.
- Nome americano?
- Sim, coisas do meu
pai. Vou te levar numa cidade próxima, reduto de pássaros fantásticos e
exóticos.
A viagem era curta
mas ele queria aproveitar cada minuto com a moça, mesmo ela não percebendo a
atração que ele sentira por ela. A conversa fluiu bem, alegre, divertida e
interessante.
Ao chegar no tal
reduto ela estacionou o carro virado para a uma mata, ficou meio de lado no
banco do motorista olhando pra ele e disse. Daqui a pouco eles enchem esses
galhos e você vai ver um desfile de cores e cantos. Masao percebeu que ela
olhava para seus lábios e para seu braço. Ele usava uma camisa jeans de botões,
com mangas compridas mas dobradas até acima dos cotovelos. Masao realmente
tinha braços bem torneados, fortes, resultado de um preparo físico cuidadoso
como atleta de esgrima. Os lábios carnudos dele entreabertos pareciam conversar
com os olhos da moça. Tudo parecia acontecer em câmera lenta. Ela então, com
voz quase rouca, exclama:
- Você tem braços
fortes! O que faz?
- Sou espadachim,
esgrimista na verdade.
- Humm. Uma pequena
mordiscada nos lábios deu ao rapaz sinal verde. Ele investiu pra cima dela,
segurou seu pescoço por baixo dos longos cabelos e quase encostou seus lábios
nos dela. Sentia a respiração dela e ela a dele. Ela, com mãos longas, braços
esguios, dedos que pareciam de pianista, segurou seu braço forte e apertou.
Então seus lábios se tocaram, numa mistura de doçura e brasas vivas acesas
pelos ventos do desejo.
Ficaram por ali até
os pássaros começarem a chegar e tomar a atenção deles. O véu da noite caiu
rapidinho e logo ela ligou o carro com um sorriso no rosto e se dirigiu meio
calada ao hotel de Masao.
No dia seguinte ele
demorou a levantar até porque não conseguira dormir direito. Cada cena não saía
da sua memória e mais que isso...elas se repetiam diversas vezes, como um álbum
de fotografias que se pode ir e voltar numa foto, sua mente ia e voltava nas
imagens, sons, cheiros e sensações que vivera naquele dia. Não sabia o que
pensar nem o que esperar do dia seguinte. Não sabia como iria olhar a moça o
como iria ser olhado por ela. Em algum momento chegou apensar que tudo fora
apenas uma imaginação, uma fantasia de sua cabeça. Queria levantar e correr
para aquele lugar onde provavelmente ela estaria, mas ao mesmo não queria
queria levantar, a dúvida se ela continuaria ou esqueceria o acontecido
consumia o rapaz. A ousadia dela o encantara, a forma como ela tomou à frente,
a dianteira, como se soubesse que ele também queria, sem se preocupar com um
"não" (Muitos pensam que homens não dizem "Não". Isso é um
equivoco).
Não adiantava ficar
ali na cama sem saber o que seria do seu dia. Num súbito salto ele sai da cama
em direção ao chuveiro.
Chegando no local do
curso, Masao não sabia se olhava para seu mestre ou se procurava o moça, a
verdade é que seus olhos o fazia. De um lado para o outro percorriam toda a
propriedade até onde alcançavam para se certificar de onde ela estava, ou se
ela estava. Sua concentração estava totalmente comprometida, não ouvia mais
nenhuma palavra do seu mestre, não sabia bem de que assunto estavam falando
naquele dia. O mestre, com as mãos dentro das mangas da blusa andava lentamente
esperado que seu "gafanhoto" o seguisse ouvindo suas instruções,
apesar dele estar atrás do mestre em corpo, sua mente estava longe.
A manhã passou e nada
da donzela aparecer. Na hora do almoço ele resolveu passear em volta do lago de
Flores de Lotus. Ao chegar lá uma senhora japonesa, vestida com traje típico
japonês, aquele kimôno com um grande laço atrás, estava sentada em posição de
artes marciais, em cima das pernas, segurava uma toalha branca muito felpuda.
Ele ficou se indagando o motivo da toalha nas mãos. Mas não demorou muito até
que emergisse aquela mulher linda do fundo do lago. Foi em direção à senhora
que se levantou e a abraçou com a toalha. Ela olhou discretamente para Masao,
que estava atônito. Calçou as sandálias e foi em direção à Masao.
- Com fome?
- Não tanto, tomei um
bom café da manhã.
- Hum, pensei em te
convidar pra ir à uma churrascaria...
- Ótimo, o que
estamos esperando? Nem sabia que tinha churrascaria nesse país, achei que fosse
só insetos em palitos em todo lugar.
- Me dê alguns
minutos enquanto me arrumo.
Apesar de muito
elegante ela não era do tipo que passava horas se arrumando. Quando queria
jogava uma roupa confortável e partia pra dança.
Chegaram ao
restaurante, lugar bonito, de bom gosto, foram bem servidos. As trocas de
olhares diziam que queriam mais que se alimentar ali. Ela parecia ligeiramente
incomodada com o olhar dele, estava claro que ele queria sair dali e tê-la
novamente e ele sabia que ela também queria. Mas a pergunta era: Eles podiam??
Terminaram o almoço, foram para o estacionamento e se despediram após um longo
abraço. Ambos queriam mais, mas o medo de as coisas se aprofundarem muito
começava a incomodá-los. Ambos pensavam em suas vidas, ambos estavam em cidades
diferentes, em vidas diferentes e apesar de um querer muito o outro, parecia
que havia um preço alto a pagar, principalmente ela, que vivia com o pai, que,
de certa forma, inspirava cuidados dela por causa da idade.
...
Masao, sentado na
poltrona do avião, não conseguia parar de pensar em quantas experiências tinha
vivido naquele lugar. O curso, maravilhoso, voltava cheio de idéias... Mas a
mulher que conhecera fazia com que ele pensasse que nunca mais sua vida seria a
mesma. Aquele olhar, aquele sorriso (muito parecido com o do Pateta, da Walt
Disney) que ao mesmo tempo era engraçado, dava um certo ar de menina àquela
exuberante mulher. Aquela que emerge em meio às águas, em meio à vegetação,
para mostrar ao mundo sua beleza e inundar o ar com seu perfume, como uma Flor
de Lotus.
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