Viagem de Ida, sem volta

O observador olha atento as feições de cada passageiro, uns que vão carregando uma tremenda dor no peito, talvez por uma história que quer esquecer, que quer que as fotos caiam pelos trilhos e sejam cortadas pelas rodas duras de ferro da locomotiva. Um olhar de "preciso de uma nova oportunidade, preciso recomeçar". Outros vão com um olhar de esperança como quem almeja um novo horizonte, talvez mais amplo, mais rico, mais belo, com mais oportunidades. Um olhar de quem está começando de fato sua viagem.

O observador se detém em alguns acompanhantes, vê que eles partilham o mesmo olhar, a mesma tristeza, a mesma melancolia, a mesma dor de ver uma parte ir , um par ir, um partir! e o acompanhante fica, mas partido! Mesmo que o passageiro vá em busca de um melhor, de um sucesso, ou que esteja tentando sair de um fracasso, a dor sempre é a mesma - de uma parte + ida arrancada.
A liberdade deve ser o único laço a unir as pessoas. O direito de ir e de vir, e também de não quer ir nem vir. Precisamos entender isso! Tentar viver o aqui, o agora, sem ser uma marionete de um "e se fosse ..." ou de um cordão que embora pense que está preso a outrem, já se soltou e por uma ironia do destino se prendeu a uma pedra lhe enganando.
E como dizia Carlos Drummond de Andrade...
A Máquina do Mundo
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas.
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